Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

Entre abóboras e abobrinhas

Entre abóboras e abobrinhas

Luís Carlos Luciano

 

Que bom poder estar aqui com vocês neste momento festivo. Tenho 37 anos de lida na imprensa local e há tanto por dizer. Poderia cuspir marimbondos, mas vou me conter. Não é hora de soltar rojão dentro do canil.

Tive uma breve passagem pela folha de dourados no início dos anos 80. Fazia um bico à tarde. Sai quando me mandaram ir a pé fazer uma matéria em local distante. Era foca, mas não tolo. Acho que naqueles dias era o próprio Theodorico que fechava a edição e era o único jornalista da casa. O jornal, linotipo, não tinha muitos recursos, mas era curioso, inquietante e imprevisível como o próprio dono.

Depois só fui colaborar novamente para a folha no começo dos anos 2000 quando o José Henrique Marques a comprou e o editor era o Valfrido Silva. Publicaram minhas crônicas pitorescas. Pouca gente sabe, mas depois que o amigo professor Paulo Simó conversou comigo sobre a possibilidade de doação dos arquivos do jornal para o Centro de Documentação Regional (CDR-UFGD) é que levei a proposta para o Zé Henrique que a acolheu prontamente. Hoje está tudo bem guardado e disponível publicamente.

A folha ficou um tempo sem circular. Inúmeras vezes visitei o Theodorico no seu refúgio solitário da Rua General Osório. Ficávamos horas tagarelando e eu sempre bebericando o conhecimento do velho guerreiro. Ele era afilhado do coronel Marcondes, meu biografado, e foi uma fonte valiosa para o livro.

Theodorico tinha uma biblioteca curiosa. Além de Dom Quixote e outras obras primas da literatura universal, portuguesa e brasileira tinha quilos do faroeste Tex, Barsa e tantas outras coisas que eu ficava fascinado.

Theodorico foi um dos fundadores e o primeiro presidente do Clube de Imprensa de Dourados (CID), gostava da boa vida, de pescarias e quando entrava numa briga não se acovardava. Até onde se saiba foi o único jornalista daqui preso durante a ditadura por conta de críticas publicadas no jornal que incomodaram o delegado. No mesmo dia em que foi preso em Dourados foi levado para o 11º RC em Ponta Porã e solto no dia seguinte pelo coronel Marcondes.

Além do serviço público passei por O Progresso, Diário MSGrande FM, Jornal da Praça, Diário da Serra, douradosinforma e devezenquandários. A transformação tecnológica ao longo do tempo tem sido fabulosa, embora a idiotice seja a mesma e a arapuca da manipulação continue enjaulando muitas mentes que desconhecem os meandros sombrios da mídia.

Bom jornalismo é uma coisa, atividade de profissional decente e ético, mas a fronteira do comércio da comunicação é outra, apesar da proximidade e da mistura errônea que muitos têm a respeito desse processo.

Tenho dúvidas quanto ao futuro da mídia a prevalecer o modelo pernicioso em vigor. Não sei se o bom jornalismo vai conseguir sobreviver ao lamaçal. O enfraquecimento do bom jornalismo debilita a democracia, a inteligência, o contraditório e, por consequência, toda a sociedade.

Desejo sucesso ao Zé Henrique e seus parceiros no sentido de manter viva a chama da folha de dourados, a memória que ela representa, os aspectos que transcendem a materialidade e o lado físico da sua existência e continuem, com aquele mesmo vigor, irreverência e altivez do Theodorico registrando a nossa história e incomodando quem deve ser incomodado.

 

Artigo publicado na edição de aniversário da folha de dourados provavelmente em maio de 2018.